terça-feira, 19 de junho de 2012

Kate - Um estilo, uma vida.

Na madrugada ela voltava para casa. Não estava em condições de dirigir então deixou o seu Mini Cooper estacionado em um local que não se lembrava, mas poderia afirmar, com a quase absoluta certeza que umas doses a mais pudessem garantir, que estava entre o terceiro e quinto quarteirão perto do Pub Hacienda, o lugar onde fazia a sua vida valer a pena como gostava de dizer. Jurava que não iria beber mais aquele maldito whisky da garrafa esquisita que o barman insistia em lhe oferecer.
Kate - ela odiava seu nome depois que o príncipe Harry casou-se com uma almofadinha com mesmo nome seu – era uma mulher anormal, o mais perfeito exemplo de que é melhor nunca ter tido filhos a ter gerado um monstro como ela. Quando lhe perguntavam o endereço costumava dar o do Departamento de Polícia, já que passava mais tempo detida do que no muquifo onde morava sua família. Ali conheceu Michael, o segundo amor da sua vida, não era um policial, mas o rapazinho que lhe levava comida escondido e de brinde uns cigarrinhos para lhe saciar o vício.
Não trabalhava, estudou até os dez anos de idade quando decidiu que não mais ia à escola, dizia que já sabia tudo o que precisava. Tinha um irmão que queria ser médico mas nunca conseguia tirar uma nota azul, gostava tanto de sangue que suas notas eram sempre vermelhas. Seu pai trabalhava na fábrica de carros, ela dizia que ele era um escravo do capitalismo, trabalhava doze horas por dia e nunca tinha tempo para família, foi daí que desenvolveu seu total desprezo por ele, ela não sabe se pelo abandono ou simplesmente por ele trabalhar, era totalmente avessa ao trabalho. Sua mãe era funcionária do parlamento, trabalhava no estonteamente prédio do centro da cidade, lugar milenar que era cercado de histórias. Kate gostava do lugar, sempre estava por ali embreando-se nos corredores procurando um lugar onde pudesse se esconder de todo mundo e ficar pensando nas festas que houveram ali e que poderiam acontecer hoje, uma rave, um show de rock, algo barulhento que pudesse durar dias, e que a luz do sol não aparecesse para atrapalhar suas aventuras proibidas e não compreendidas pela sociedade. A sua relação com a mãe? Lembrava apenas o primeiro nome dela: Camille.  O desprezo era recíproco.
Definitivamente Kate não tinha amor à sua família, apenas os viam como pessoas capazes de alimentá-la de vez em quando e que possuíam um teto onde podia curar as suas ressacas e dissabores da vida. Ela não acreditava em almoços de domingo, festas de final de ano, encontros na casa da vovó. Família para ela era o seu camaleão que ganhara de um Irlandês idiota que foi proibido de embarcar com o bichano e deu o animal para a primeira pessoa que encontrou pela frente. Mesmo sem ter apego algum a qualquer membro da sua árvore genealógica Kate nunca foi incomodada por ninguém, sempre entrava e saía de casa quando e como quisesse, e era vista por eles apenas como uma pessoa que precisava de ajuda, mas ninguém nunca moveu um par de chinelos para ajudá-la, diziam que ela não merecia.
Aos 22 anos Kate casou-se com um americano, filho de um grande empresário de Massachusetts. Ele foi o seu primeiro amor. Durou 03 meses, algumas prisões juntos, um aborto, incontáveis doses de Bourbon, e uma viajem de 07 dias em Amsterdã onde fumavam verdadeiros charutos de cannabis.  Mas ele foi assassinado cerca de três meses depois em circunstâncias ainda não esclarecidas e desse enlace ela herdou uma pequena fortuna de seu amado a qual ela, em momentos sóbrios, tentava administrar. Segundo suas fantásticas e surreais contas o dinheiro poderia durar até ela fazer 40 anos, idade que julgava que ia morrer. O carro que tinha era dele, o seu único patrimônio na vida, e que cuidava tão bem quanto o seu camaleão, eram suas paixões, o resto era vício.
Sua família sempre tentou descobrir onde escondia o dinheiro que herdara do americano, mas ninguém, nem os detetives contratados pelos seus pares, nem a polícia que a prendia quase que semanalmente chegaram próximo dos milhares de Euros que tinha recebido de herança. Kate era uma garota esperta, tinha seus problemas com o álcool e outras drogas ilícitas, mas quando tratava da sua sobrevivência ela não deixava ninguém passá-la para trás. Sabia bem como era o carteado da malandragem e dessa maneira ia administrando sua vida da maneira que achava melhor.
A noite era o êxtase de Kate. Era uma mulher de hábitos noturnos, escorregadia como uma serpente, e ao contrário das víboras ela ingeria veneno ao invés de ejetá-los, e a vítima era sempre ela, quase não fazia mal a ninguém. O veneno daquela madrugada desceu mal, o whisky estava na cabeça dela provocando náuseas que faziam do seu estômago o vulcão Vesúvio pronto para entrar em erupção, neste momento agradecia por não ter encontrado seu Mini Cooper. Era quase seis horas da manhã e mesmo com seu corpo implorando por um descanso Kate achou por bem ir a outro lugar que costumava acolher pessoas como ela que desesperadamente procuravam uma desculpa para não voltar para casa: o Pub On The Road, lugar de pessoas com ar Folk e que já fora freqüentado por um ex Beatle que, assim como ela, tinha seus problemas. A diferença é que ele virou um gênio e ela, bem ela era a mesma pessoa de sempre. Às vezes até arranhava uma gaita, era fã de blues, mas seus vícios e sua raiva pelo mundo a impediam de desenvolver qualquer talento que poderia ter escondido.
No interior do Pub pediu uma cerveja para rebater. Ali encontrou alguns conhecidos, jogou alguma conversa fora, conseguiu um Prozac para mais tarde e foi ao banheiro para ver se eliminava aquele incômodo que, diferentemente das outras vezes, estava custando a passar. Talvez fora aquele ácido que ganhou do seu amor que trabalhava no Departamento de Polícia. Ele era um retardado, mas era a única pessoa que conhecia que a tratava como ser humano, e talvez essa dedicação toda a fez gostar dele, apesar de não querer nunca ninguém no seu pé. Ele sabia respeitar esse limite e só se aproximava de Kate quando recebia o sinal verde permitindo o approach. Enquanto caminhava destino ao banheiro as suas vistas embaçaram, o mundo parecia rodar como uma turbina de avião, sua barriga mais do que nunca parecia que ia explodir, mas ao invés de devolver tudo que ingerira aquela noite pela boca, Kate foi surpreendida pelo seu esfíncter anal e suas vestes foram visitadas pela comida ingerida há cerca de três dias.
Kate acordou por volta das vinte horas no London Bridge Hospital, estava com uma agulha na veia que lhe transferia soro. Na televisão passava o mais britânico de todos os comediantes, Rowan Atkinson, ao seu lado estava uma bandeja com uma sopa que aparentava ser de batatas e um copo que queria muito que estivesse cheio de Vodka Absolut, mas ao experimentar não lamentou ser água, sua boca estava parecendo o Saara e naquele momento foi como se bebesse a mais nobre bebida que seu corpo havia experimentado.
Esperando o despertar de Kate estava o Chefe de Polícia Homer, que não era quem tradicionalmente a recebia no Departamento quando era detida por suas violações. Desejava lhe fazer algumas perguntas, principalmente sobre o fato de ter no seu bolso a identidade do Sir Alexander Fleming, que fora brutalmente assassinado na noite anterior nas proximidades do Pub On The Road. Kate ficou apenas alguns minutos acordada e entrou em sono profundo novamente. Mal foi apresentada ao Dr. Homer, mas sua vida iria virar um tsunami a partir daquele dia. Se soubesse o que a esperava talvez desejasse nunca mais ter acordado daquele leito.

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